quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Resenha - Dungeon World - Onde o Old School encontra o Indie

Aurel, Dargo e Lihana sabiam que encontrariam coisas esquisitas em seu caminho, mas aquilo já era demais. Uma criatura sem forma com diversos olhos de várias cores, centenas de bocas e um fedor de batata podre. Estavam no tempo perdido de Nazok'Anul há alguns dias, cansado, sujos e perdidos. Mas agora sabiam que o procuravam estava no salão atrás da criatura horrenda e tinham que arrumar um jeito de passar por ela.

O que aconteceria se pegássemos elementos do RPG mais cultuado do mundo, mecânicas narrativas contemporâneas dos RPGs indies e estilo Old-School de construir aventuras e batêssemos tudo em um liquidificador? A resposta parecer ser Dungeon World, o hack de Apocalypse World de Vincent Baker feito por Sage Latorra e Adam Koebel.

Primeiramente cabe avisar que essa resenha é feita com base no Dungeon World Basic versão PDF. Essa versão não é a versão final do jogo, que deve sair mais para frente, ainda esse ano. Ela é composta de um livro de 120 páginas em preto e branco, e alguns "playbooks" que são uns panfletos com as fichas dos personagens, e resumo das regras.

A diagramação do livro é bastante limpa e há algumas ilustrações dos arquétipos clássicos dos jogos de fantasia medieval pelo livro e, é claro, monstros. Cerca de dois terços iniciais do livro são dedicados a explicação do jogo, a criação de personagens, sistema mecânico e conselhos ao narrador. As últimas páginas são preenchidas por uma aventura inicial que serve como introdução ao RPG, que recomendo utilizá-la, pois irá ajudar a todos se familiarizarem com o estilo do Dungeon World de jogar.

Os panfletos que veem junto com o livro funcionam como fichas de personagens auto-suficientes (não precisa consultar o livro para fazer o personagem). Além disso há também "folders" apresentando as ações mais comuns, ações complexas, equipamento e até mesmo duas aventuras. Com eles dá para você jogar sem precisar do auxílio do livro em si, o que torna o jogo muito mais rápido.

Como é o jogo:

Como eu disse, o jogo é um amalgama de D&D, RPGs Indie e estilo Old-School. Do D&D ele trás os elementos icônicos como as classes (guerreiro, mago, clérigo, ladrão, paladino, ranger e bardo - as duas últimas utilizando o Dungeon World Hack); os seis atributos (Força, Destreza, Constituição, Inteligencia, Sabedoria e Carisma); as raças básicas (humano, elfo, anão e halfling) e as habilidades e magias que mantém o nome que usam no D&D (magic missiles, hold person, cure light wounds) e essas coisas.

Dos RPGs Indies ele pegou o foco na narrativa, nas mecânicas que integram os personagens entre si, nas ações que resultam em reações do mestre, nos "sim, mas..." e essas coisas típicas dos jogos contemporâneos. Em Dungeon World, ninguém nunca diz o nome da mecânica que está usando e sim descreve a ação ficcional que está ocorrendo no mundo para poder usar o "move" que é a parte mecânica da ação. Quando alguém faz um "move", faz-se um teste com 2d6 mais os modificadores que vem, entre outras coisas, dos atributos dos personagens e, basicamente, três coisas podem acontecer. A pessoa pode ter um sucesso total, realizando o que queria sem nenhuma consequência negativa; ela realiza o que queria, porém algumas coisas acontecem como perder algum recurso, se atrapalhar de alguma forma, fazer muito barulho (entre outros, a criatividade do mestre vai criar essas coisas) e uma fala total, que geralmente trás mais problemas para os personagens e aciona um "move" do mestre. Dessa forma, as coisas que vão acontecendo no jogo são consequências diretas, ou nem tanto, das ações que vão sendo tomadas pelos jogadores.

Dos jogos Old-School, Dungeon World trás o estilo de jogo. O mestre deve basicamente cumprir o papel de fazer com que o mundo seja fantástico, que a vida dos aventureiros seja repleta de aventura e de nunca presumir o que vai acontecer. As aventuras de Dungeon World são construídas no estilo Sand-Box. Há locais, com grupos, indivíduos e eventos acontecendo que, dependendo de como os heróis interagirem com eles, podem acarretar em diversas consequências para o mundo. Além disso arquétipos antigos do Old-School são mantidos. Nada de anões magos ou elfos clérigos.

Personagens:

Os personagens são feitos de forma bastante simples e rápida. O primeiro passo é escolher a classe de personagem. O Dungeon World Basic vem com cinco classes (o Paladino vem separado do livro), mas com o Dungeon World Hack (que você pode baixar gratuitamente no site do Dungeon World) você tem acesso ao Ranger e ao Bardo. Dependendo da classe de personagem escolhida, o jogador terá a opção de escolher uma raça. Nem todas as raças estão disponíveis para todas as classes, assim como era nas primeira edições de D&D. Cada raça em cada classe confere algumas vantagens diferentes que tornam certos aspectos daquele personagem melhor.

Além disso, cada classe tem uma lista de nomes apropriados de acordo com a raça dele. Acho uma iniciativa muito boa do jogo, e pretendo incentivar meus jogadores utilizarem um desses nomes. Claro que se eles pensarem em um nome legal e no clima de aventura e magia do jogo, eu deixarei que ele criem seus próprios nomes. Mas se for jogar Dungeon World em um evento, as pessoas escolherão um desses nomes. Sou meio chato com isso, como podem ver nessa postagem.

Uma coisa legal, inspirada nos indies, é a escolha de características físicas dos personagens. Cada classe apresenta uma lista de características dos olhos, cabelos, roupas e corpo. Cada jogador escolhe um elemento de cada lista para criar uma descrição simples do seu personagem.

Após isso, é feita a escolha dos atributos de acordo com um sistema de distribuição de pontos. Calcula-se os modificadores dos atributos, o que realmente importa para os testes dos "moves" e é feita a escolha das habilidades iniciais dos personagens (Guerreiros escolhem algumas habilidades especiais com armas, magos escolhem magias).

Aqui há alinhamento também, mas limitado apenas em Bom, Neutro e Maligno. Cada classes tem sua própria maneira de lidar com os alinhamentos e dependendo deles, há maneira diferentes de se ganhar XP (parece que o sistema de XP será revisto na versão final, então, não se apeguem).

Em seguida é feita a escolha e compra de equipamento. Cada classe recebe uma certa quantidade de dinheiro e indicações do que seria útil comprar. As armas não definem o dano que é dado, a classe define isso, mas elas possuem características que podem aumentar o dano, definir o alcance, torná-la mais precisa ou menos precisa entre outras coisas. Armaduras diminuem o dano tomado, pois o mestre não rola ataque dos monstros.

Por fim, os jogadores apresentam seus personagens uns aos outros e criam laços entre eles. Cada classe vem com uma série de frases que podem ser preenchidas com os nomes dos outros personagens, entrelaçando as histórias deles e criando laços. Isso é legal pois permite uma união mais estável entre eles e os ajuda a criar uma história. Além disso elas tem consequências mecânicas no jogo também.

Há ainda uma mecânica que faz com que o jogador que tiver o personagem com o qual o seu tem maior ligamento escolha um atributo que você deverá usar na aventura para ganhar XP (o mestre escolhe outro). Mas como disse que a mecânica de XP deve ser mudada não vou focar muito isso. A única coisa que digo é que essa mecânica acabava forçando a utilização de certas habilidades no lugar de outras que seriam mais apropriadas. Não condizia muito bem com um jogo que pretendia ser mais focado na história e aventura do que na mecânica.

Evolução dos Personagens:

Como na maioria dos RPGs, quando um personagem acumula um certa quantidade de pontos de experiência, ele sobre de nível. Em Dungeon World, quando isso acontece, o jogador deve escolher uma habilidade nova para seu herói de acordo com a sua classe. Isso permite uma certa customização do personagem, fazendo com que cada guerreiro, clérigo ou mago aprenda coisas diferentes com o passar do tempo.

Por enquanto para avançar de nível é preciso de 10 XP por nível que você já possui. Assim, para avançar para o 2º nível, precisa-se de 10 de XP, para o 3º, precisa-se de 20 e assim por diante. A maneira de ganhar XP por enquanto depende dos atributos escolhidos pelos outros jogadores, pelo seu alinhamento e por outras mecânicas, mas parece que isso será revisto na versão final.

Narrando Dungeon World:

Uma das coisas mais interessantes desse RPG é a forma como ele é jogado e narrado. O jogo apresenta as três ferramentas principais para o mestre que ele utilizará para conduzi-lo: a Agenda, os Princípios e os "Moves".

A Agenda é aquilo que o mestre deve fazer, seus deveres (fazer com que o mundo seja fantástico, transformar a vida dos personagens em uma aventura e jogar para ver o que acontece). Os princípios são os caminhos e maneiras com que o narrador fará isso. E os "moves" são as ações concretas que são tomadas para impulsionar a história para frente.

Alguns desses princípios me chamaram atenção por serem conselhos muito bons e poderem ser usados em qualquer jogo. Primeiro, nunca fale com os jogadores, fale com os personagens. Isso é muito legal, pois, assim, você não quebra a imersão do jogo e está sempre puxando os jogadores para dentre do mundo fantástico. Segundo, "faça perguntas e usa as respostas". Sempre que puder e couber, faça perguntas que os personagens precisem responder. Tente sempre terminar uma narração em uma situação na qual os personagens precisem reagir de alguma forma, o clássico "o que vocês fazem?". Por fim, "comece e termine com a ficção". Se estiver narrando algo que acontece não diga simplesmente os efeitos mecânicos da ação. Comece com uma descrição ficcional, diga os efeitos mecânicos e termine com outra narração da ficção, algo como "o orc urra de raiva quando dispara em sua direção com um golpe poderoso do seu machado, você toma 4 de dano, e a força do ataque quebra uma de suas costelas e de joga para trás uns dois metros".

Por fim, o livro mostra como são as aventuras de Dungeon World. Aqui o foco é a aventura, ação e emoção. Geralmente os heróis já começarão em uma situação que devam agir, em um lugar onde algo ruim está preste a acontecer ou quando um "vilões" chutam a porta da taverna onde estavam descansando. O foco do jogo é manter sempre a história em movimento, criando situações em cima de situações de acordo com os "moves" dos jogadores e do mestre.

Conclusão:

Resumindo, Dungeon World é um RPG que tem muitas influências interessantes e soube combiná-las de maneira única e divertida. O jogo ainda não está complete e já dá para se divertir bastante com ele, sinal de o que está por vir será de excelente qualidade.

O custo é apenas cinco dólares e se você jogar e mandar um email falando sobre a sua experiência com o jogo e sugestões para o email gm@dungeon-world.com, você entrará para a "Adventurer's Guild" onde poderá ter acesso a diversos outros materiais e playtests antes desses serem liberados para o resto do público. Além disso, os autores fizeram um App para iPhone e iPad do Dungeon World com essa versão do jogo. Custa cinco dólares também e estou curioso para saber como ele é.

Então é isso, quem gostar e quiser ver com os próprios olhos é só ir no site dos caras e comprar.

Links:

Site do Dungeon World - http://www.dungeon-world.com/
Comprar Dungeon World - http://www.dungeon-world.com/index.php/buy/

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5 comentários:

  1. podia rolar uma tradução....
    fiquei muito curioso

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    1. Bem que podia mesmo, né?
      Quem sabe uma das editoras mais alternativas aqui no Brasil não compra a idéia.

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  2. muito legal pra ser mais legal so faltava uma tradução!!! alguem ai se disponibiliza a dar uma traduzidinha?

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  3. As resenhas deste jogo falam sempre de 'narrar para só então ser definida a jogada adequada', e eu sempre joguei assim, desde 1992. Um amigo que também resenhou no rpgpara.com explicou comparando com D&D 4a ed., que entendi a escolha da habilidade (e rolagem).

    Gilson

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    1. Pois é, mas hoje em dia muita gente simplesmente aponta para a ficha e diz "eu uso o Ataque Poderoso" e rola o dado, sem dizer o seu personagens está fazendo e como esta fazendo isso.

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