sábado, 25 de fevereiro de 2012

RPG Old School - Que troço é esse?

Os jogos de RPG surgiram na década de 70 e, de lá para cá, muita coisa mudou, inclusive a maneira de jogá-los. Os jogos modernos possuem um foco muito grande na mecânica e no equilíbrio, o sistema é feita para funcionar de uma maneira que ninguém possua dúvidas se pode ou não fazer alguma coisa e tudo que você precisa fazer está na ficha do personagem. Os jogos mais antigos, ao contrário, possuíam um sistema de regras mais enxuto, simples e que não cobria todas as situações possíveis, dependendo da interação do mestre com os narradores para que as coisas funcionassem. O foco era maior na criatividade de todos na mesa do que no que o sistema permitia que o personagem fizessem. Os jogos eram um desafio tanto para os personagens quanto para os jogadores.

RPGs Old School são bastante diferentes dos jogos de hoje em dia. Se uma pessoa que não possui familiaridade com o estilo "Old School" pegar o "Rules Cyclopedia" e começar a jogar, sem nenhum prepara anterior para entender como são jogados esses antigos jogos, ela vai ter uma experiência muito ruim e vai achar que esses jogos não possuem uma série de elementos importantes que os RPGs mais modernos possuem. Na verdade, não falta nada aos Old School. A maneira de jogá-los é apenas diferente e é preciso que os jogadores tomem conhecimento de alguns aspectos desse estilo de jogo para poder aproveitá-lo inteiramente.

O primeiros aspecto é que nem tudo está escrito em regras e as decisões de como as coisas são feitas cabe ao narrador. Isso parece uma falha a primeira vista mas, na verdade, é uma grande vantagem. Dessa forma os jogadores podem tentar qualquer coisa que lhes venha a cabeça sem precisar consultar no livro de regras se aquilo é possível ou não. O mestre, então, usando bom senso, o espírito das regras do jogo e honestidade, decide o que acontece ou como o resultado da ação será decidido. As regras servem como guia para o narrador, para que ele as use da melhor maneira que lhe couber a fim de criar uma aventura desafiadora e divertida. Elas não estão ali para dizer o que os personagens podem ou não fazer algo específico ou quanto de bônus eles têm para empurrar alguém.

Muitas das coisas que estão na ficha dos personagens dos jogos modernos como "percepção", "desarmar armadilhas" e "explorar" são resolvidas sem testes. Ao invés disso, os jogadores devem pensar, observar e interagir com o ambiente por meio do narrador. Algo que seria resolvido com um simples teste de "percepção" quando os personagens entrar em uma sala se torna um exercício de criatividade, inteligência e interação entre o narrador e os jogadores. Eles dizem o que seus personagens fazem, se olham debaixo do tapete, se tentam mover a estátua na parede norte, se cutucam o chão de longe com uma cara de 3m, e o mestre diz o que acontece, o que eles encontram ou o que explodiu na cara deles. Parece mais complicado, mas é bastante divertido.

Por causa disso, os RPGs Old School são jogos que desafiam o jogador e não apenas os personagens. Não há perícia de intimidação para fazer com que o goblin capturado fale onde está a chave para o nível mais profundo da masmorra, os jogadores terão que interagir com o mestre de forma com que seus personagens sejam intimidadores e o mestre acredite nisso. É preciso dizer ao mestre o que os personagens estão fazendo, como eles estão fazendo isso e como o que estão tentando. Se um NPC estiver mentindo para os heróis, não haverá um teste de "empatia" para detectar se ele está mentindo, os jogadores é que decidiram se acreditam ou não nele.

Outra coisa que depende da habilidade dos jogadores é saber quando lutar e quado fugir. O compromisso com o equilíbrio e desafios justos para os jogadores é muito menor nos jogos Old School. O narrador tem um compromisso em criar cenários desafiadores, fantásticos e divertidos e não um ambiente seguro em que os desafios são feitos sob medida. Haverá coisas que não devem ser enfrentadas pelos aventureiros, armadilhas mortais, dragões adormecidos que não deveriam ser perturbados, que podem muito bem acabar com o grupo se eles não pensarem em uma maneira melhor para prosseguir.

Isso nos leva a outro ponto. Nesses jogos os personagens não são heróis super poderosos com habilidades sobre humanas. Aliás, no começo do jogo eles são apenas um pouco mais fortes, mais inteligentes, mais sábios ou mais habilidosos que pessoas normais. Eles tem a coragem de se tornarem aventureiros e, por isso, conseguem fazer coisas que outras pessoas não conseguiriam, apenas isso. Mesmo quando esses heróis acumulam vários níveis de experiência eles não se tornam invencíveis. Eles terão itens poderosos, poder e influência, talvez um castelo e um exército, mas ainda assim podem ser mortos e são apenas mais fortes que pessoas comuns. O foco nos RPGs Old School é levar essa herói quase comum a realizar feitos fantásticos, conquistar tesouros esquecidos e se tornar rei, ou morrer tentando.

O trabalho do mestre é bastante diferente do nos jogos atuais. Ele não tem que decorar todas as regras e aplicá-las corretamente proporcionando uma ambiente de jogo confortável para os jogadores. O dever dele é manter o jogo em movimento, tomar decisões quanto às ações de todos e descrever o mundo de forma satisfatória e divertida. O narrador não é controlado pelas regras, ele as controla. O segredo é fazer as coisas serem divertidas e não de acordo com as regras.

Por exemplo, em um combate nos jogos Old School não existem muitas regras. Se o jogo fosse guiado por elas o combate se resumiria a algo como "Eu ataco. Acertei. 5 de dano. Agora sou eu. Dardos Místicos. 3 de dano." E é justamente isso que não pode acontecer. As regras não estão ali para controlar o combate, apenas para guiá-lo. Faça as coisas acontecerem, deixe o caos dominar o combate, que é o lugar dele. Lutas não são coisas ordenadas e controladas, elas são o lugar onde objetos são quebrados, sangue voa pelas paredes, pessoas caem no chão e todo esse tipo de coisa. Descrição das ações e dos seus resultados são muito importantes na hora em que os dados são rolados. Não há regras para dizer onde você acertou o inimigo ou o quão errado foi o seu golpe então crie essas regras na hora. Se alguém rolar um 20 no d20 diga que ele acertou a perna do inimigo e esse caiu de dor no chão, perdendo sua próxima ação. Se alguém rolar 1 quando estiver tentando saltar para trás do orc para pegá-lo desprevenido, faça com que ele caia bem em cima do orc, nos seus braços e coisas desse tipo. Mas não crie essas coisas apenas com resultados muito altos ou baixos. Tente dar sabor e diversão para cada ação. O combate deve ser algo rápido, mortal e cheio de surpresas, faça com que ele realmente seja assim.

Por fim, uma das características mais marcantes desses RPGs é o que chamam de "Resource Management", que pode ser traduzido como administração de recursos. Ao longo da aventura, os heróis vão perdendo pontos de vida, magias, tochas, poções, rações e uma série de outras coisas. Nos jogos atuais isso é muito aliviado e quase esquecido, mas no Old School, isso faz parte da natureza do jogo. A todo momento os jogadores devem decidir se continuam explorando a aventura, perdendo seus recursos e com o risco de não voltarem vivos ou se desistem e voltam para um lugar mais seguro para que possam se curar e recuperar o que perderam. A situação vai ficando cada vez mais emocionante quanto mais desprovidos de recursos os heróis estão e mais profundamente se encontram na masmorra. Isso aumenta ainda mais quando o grupo possui uma espécia de tempo limite para concluir a aventura. Algo como a missão de interromper um sacrifício aos Deuses antigos, ou a maldição contra a cidade dos aventureiros se tornará permanente se não for revertida em até cinco luas.

Resumindo, RPGs Old Scool são jogos diferentes dos atuais onde o foco é muito mais na aventura e desafio do que no equilíbrio das regras e poder dos personagens. É uma maneira diferente de se jogar, não sendo nem melhor nem pior que outras formas, apenas um outro estilo.

Essa postagem foi feita baseada em diversos outros sites que focam nos Old School como o Dragoonsfoot, o Knights & Knaves entre outros. Além disso o post foi inspirado pelo relançamento dos livros do AD&D 1ª Edição e pelo RPG Adventurer Conqueror King System que atualmente está com um Kickstarter para lançar seu Player's Companion (vale a pena participar).

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14 comentários:

  1. Muito bom e super informativo o post, meus parabéns pois você soube detalhar todos os aspectos de um RPG Old School com muita clareza.

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    1. Que bom que curtiu James! Tenho estado encantado com esses jogos old school a um tempo já e agora com o relançamento do AD&D estou querendo muito arrumar um grupo para jogar como antigamente. Encontrei um RPG muito legal, o Adventurer Conqueror King System. Tem influência do AD&D e OD&D. Está excelente!

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  2. Muito bom o post. Bem parecido com o Quick Primer for Old School Gaming do Mattew Finch. Apesar de ser quase uma contradição, no meu blog dou dicas para transformar o D&D 4 num jogo mais tranquilo para se mestrar, do jeito que eu era acostumado no AD&D 2ed. Parabéns. Deu vontade de comprar os livros que serão relançados. Abraço.

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    1. Valeu Nestor. Eu tinha um blog de D&D 4e também, mas acabei querendo falar de outros jogos além dele e fiz esse aqui. Eu jogo D&D 4e também, mas não recuso um Old School não, eles são bem legais. :)

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  3. Ótimo post, é um assunto que eu realmente gosto muito.

    Duas palavrinhas pra ti: Old Dragon :)

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    1. Fabiano, espera o post de amanhã 15/03/2012. Será sobre Retro Jogos, vai ter S&W, ACKS, Old Dragon e muito mais.

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  4. Excelente! Falo isso sempre para os meus jogadores. Jogando RPG desde 1989, OLD SCHOOL na veia!

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  5. Excelente blog e excelente artigo sobre o conceito old-school. Tenho um filhinho ainda bebê, mas o tipo de RPG ele vai jogar quando tiver 10 anos será o AD&D do papai.

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  6. Interessante a postagem.

    Eu estava precisando de um texto assim para me contextualizar melhor do que tanto falam lá no RPG Salvador :)

    Eu acho legal a forma de jogar Old School, mas assim como tudo na vida, tem suas falhas.

    Uma vez que estamos interpretando personagens, acho que há um limiar entre mecanizar tudo e deixar tudo a cargo da pura interpretação, pois uma vez que eu interpretar um ladino, eu não deveria de fato saber EXATAMENTE como procurar uma armadilha, assim como interpretar um sacerdote não precisarei saber sozinho como fazer EXATAMENTE os rituais. Entende?

    Acho que há limites para que a diversão possa fluir.

    Gostei muito desse resgate como crítica ao modelo atual, isso é sempre bom. Demonstra amadurecimento da cena brasileira de RPG, mas não podemos tornar isso um puro fetiche. Precisamos erotizar a coisa, sem nos prender a ela.

    Vou começar a jogar Old Dragon pra poder criticar melhor.

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    1. Valeu pela visita Rafael. Mas nem tudo é questão de ter falhas ou não. Claro que tem falhas, mas nesse caso, de ter que interpretar quase tudo nos jogos Old School, e não diferenciar conhecimento do personagem e do jogador, é mais uma característica intencional. Pode não ser o que uma pessoa procura, mas é intencionalmente assim.

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  7. Obrigado pelo esclarecimento. Fiquei alguns vários anos afastado do mundo dos RPGs mas no passado eu me diverti bastante com AD&D. Comecei com First Quest no lançamento da Abril que comprei numa banca de jornal. Na época tinha uns 12 anos, pirei demais com tudo aquilo. Depois comprei os 3 livros básicos de AD&D e o cenário Forgotten Realms. Joguei bastante mas depois parei por N motivos. Fiquei anos sem me envolver com RPG, tudo que eu vi nos últimos 15 anos foram as capas das edições nacionais dos livros básicos de D&D. Sempre olhava os livros nas livrarias pensando 'Um dia volto a jogar'. Eis que voltei e descubro que o RPG como eu conhecia virou 'Old School'. Ainda nem experimentei a versão 4 do D&D e já estou vendo que o melhor é tirar o pó de tudo que tenho sobre AD&D. Graças a Deus, fora as revistas mensais que não pude guardar, os livros de AD&D ainda estão intactos na casa dos meus pais!

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    1. Guarde esses tesouros. Tolamente eu vendi os meus para comprar as edições recentes, achando que tudo que é novo é melhor. As edições passadas são ótimos jogos, tão válidos como quaisquer outros, e bem diferentes das atuais. Estou recomprando tudo que consigo das edições passadas de D&D.

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